Dispa-se dos preconceitos cinematográficos... Esqueça Triple X, Velozes e Furiosos, e também aqueles filminhos para adolescente que o povo adora consumir e que Hollywood produz às pencas. Olvide também aquelas películas que passam distante da verdadeira natureza humana e são cheios de príncipes e princesas, amores eternos e gente “legal” (não que eu não acredite nisso: em gente legal e amores eternos, mas nada é perfeito!)... Você esta para ver um filme ADULTO. Por isso, tome tempo. Seja paciente. Seja corajoso.

Pegue-o de preferência na sexta-feira, junto com porcariada popular que vem no pacote das locadoras: o pornô, o infantil, a aventura... Comece a ver DOGVILLE na sexta. E, como conheço a maioria das minhas crianças, já aviso: “_Não desistam, nem corram da raia, porque vocês estão para ver/ter uma das mais ousadas experiências feitas no cinema atual em termos de radicalismo formal e de conteúdo!” Se não conseguirem vê-lo todo... No problem... Vão dormir. Terminem de ver no sábado... Mesmo porque, Dogville é um daqueles filmes que incomodam...
O filme de Lars Von Trier é inspirador. Não somente pela escolha da linguagem, ( uma revolução na forma cinematográfica), dos atores, do roteiro... E explico: para horror dos viventes massificados, o diretor utilizou alguns objetos de cena mas nenhum cenário; apenas linhas pintadas no chão demarcando duas ou três ruas e algumas casas. O cenário invisível (sem paredes, janelas ou portas) permite que o espectador veja os coadjuvantes em seus afazeres longe do foco pri
ncipal da ação. Além de servir como metáfora do filme, não desviando a atenção do espectador para nada além da narrativa, o artifício ressalta a dramaticidade através da encenação. Desse modo, Von Trier consegue estender a profundidade de campo e sublinhar as conseqüências de cada ação individual em relação à comunidade. "Ao abdicar dos cenários e dos adereços, o diretor procurou valorizar o âmago de cada personagem para que o espectador, despojado do “supérfluo” e do “superficial”, pudesse olhar apenas para o que verdadeiramente interessa em seu filme: a desumanidade que “emana” da humanidade."*
Lars Von Trier, meus queridos ex-alunos de Cinema devem conhecer do movimento cinematográfico Dogma 95**. Para os desmemoriados, aqui vai: manifesto nascido na Dinamarca, que procurava contrariar algumas tendências do “cinema comercial”, opondo-se ao conceito de cinema de autor, ao cinema individual e cheio de (de)efeitos especiais. Lars, embora, atualmente, não siga o Dogma 95, está longe de ser apenas mais um diretor que se rendeu a $$$$$$$ de Hollywood, como por exemplo, Martin Scorsese ou Kevin Smith.

Mas vamos a história. Dogville é uma pequena cidade, com pouco mais de uma dezena de residentes, situada em algum lugar entre as montanhas do meio-oeste dos Estados Unidos. A história se passa durante a Grande Recessão Americana na década de 1930. Grace (Nicole Kidman) chega a Dogville fugindo da perseguição de gângsteres. Sob a liderança do morador Tom (Paul Bettany), a comunidade decide acolhê-la, para demonstrar altivez com o estranho, com o “estrangeiro”. Em troca da generosidade, Grace terá de prestar pequenos serviços aos moradores. À medida que o tempo avança, você, entre o chocado e o completamente indignado, verá a doce forasteira ser escravizada, abusada, punida por tentar escapar e delatada aos gângsteres pelo único morador que parecia manter algum traço de força moral. No entanto, quando os bandidos vêm ao encontro de Grace, a revelação de sua identidade provoca uma reviravolta definitiva no filme e na vida dos habitantes de Dogville.

E o filme termina ao som de Young Americans, de David Bowie com imagens de fotodocumentaristas que trabalharam durante a grande depressão americana.
Resta ainda dizer este é o primeiro da trilogia do diretor Lars Von Trier sobre os Estados Unidos. Os demais filmes são
Manderlay (2005) e Washington, que será lançado em 2007.

* ALEXANDRE BUSKO VALIM

** Votos de Castidade dos cineastas do DOGMA 95
1. As filmagens devem ser feitas em locais externos. Não podem ser usados acessórios ou cenografia (se a trama requer um acessório particular, deve-se escolher um ambiente externo onde ele se encontre).
2. O som não deve jamais ser produzido separadamente da imagem ou vice-versa. (A música não poderá, portanto, ser utilizada, a menos que não ressoe no local onde se filma a cena).
3. A câmera deve ser usada na mão. São consentidos todos os movimentos - ou a imobilidade - devidos aos movimentos do corpo. (O filme não deve ser feito onde a câmera está colocada; são as tomadas que devem desenvolver-se onde o filme tem lugar).
4. O filme deve ser em cores. Não se aceita nenhuma iluminação especial. (Se há luz demais, a cena deve ser cortada, ou então, pode-se colocar uma única lâmpada sobre a câmera).
5. São proibidos os truques fotográficos e filtros.
6. O filme não deve conter nenhuma ação "superficial". (Em nenhum caso homicídios, uso de armas ou outros).
7. São vetados os deslocamentos temporais ou geográficos. (Isto significa que o filme se desenvolve em tempo real).
8. São inaceitáveis os filmes de gênero.
9. O filme deve ser em 35 mm, standard.
10. O nome do diretor não deve figurar nos créditos.

1 comentários:

Praticamente uma aula de cinema, nao?