Eu estava retornando de Xanxerê com aquela sensação de trabalho cumprido, de tarefa realizada. Boa turma, final de disciplina. Como sempre, liguei o som do carro, um bom trance para relaxar... Próximo a Ponte Serrada tudo mudou.
De repente no meio da pista, uma senhora. Não sei a mágica que fazia para se manter em pé, mas permanecia ali, no meio da pista, na rodovia, entre os carros, se equilibrando. Os automóveis começaram a dar sinal de luz, naquele diálogo mudo dos motoristas avisando sobre o perigo.
Fiquei sem saber o que fazer...Por fim, fiz o retorno, liguei o alerta, e, no meio da pista, encostei na senhora para convencê-la a sair dali. Ela me olhou com aqueles olhos doloridos - e acabou-se a minha paz de espírito - E tentava me explicar, no idioma dos embriagados, que estava seguindo a linha, que se guiava pela faixa do meio da rodovia... Tentei fazê-la entender o perigo iminente e, finalmente, ela saiu da pista e foi para o acostamento.
Parei o carro ao lado daquela mulher de traços meio brancos, meio indígenas, meio negros, tão brasileiros. Abri o vidro do carro e perguntei se ela queria uma carona...E para onde ela ia. Onde deveria eu deixá-la? Aquilo, não sei, me pareceu depois, um rasgo de inocência absurda ou uma demonstração completamente involuntária de ignorância, de egolatria, de desacerto, de falta de humildade ou percepção. Como, para onde ela iria, quando os olhos dela já haviam me dito que nada possuia, que vivia a vida dos que que nada tinham a perder...?
Tentei dialogar, mas não conseguia respostas. As frases desconexas, o descompasso, o desequilibrio: tudo compunha um quadro desesperadamente triste e sórdido das mazelas humanas. Ali, ao meu alcance. Na minha frente.
Tentei novamente estabelecer uma conversa." _Onde a senhora mora? Pode me dizer?" Nas respostas dela murmúrios, desafetos, descontrole e destempero. Eu não conseguia, eu não sabia o que fazer...
Foi então que eu, diante de toda a minha impotência, falei para ela permanecer no acostamento, fiz a volta e retomei a estrada, observando pelo retrovisor se ela continuava em segurança no acostamento. Em mim amargava a impotência, a exiguidade, a meninice, o despreparo... Lá, me vi, esbofeteada pela realidade. A realidade dos brasileiros que seguem as linhas centrais das rodovias, as faixas, porque reconhecem ali o único caminho que podem seguir ou que pode guiá-los...
Continuei a viagem com a penosa e permanente sensação de que há muito, muito ainda por fazer.