A sinopse do filme A Ilha é a seguinte: Lincoln Six-Echo (EWAN MCGREGOR) é um “afortunado” morador de uma cidade, na verdade uma bolha, que protege os cidadãos do que restou de um envenenado planeta Terra em meados do século 21.
Este mundo é rigorosamente controlado e todos os habitantes cuidadosamente observados.

Lincoln, assim como todos os demais, sonha em ser sorteado para ir a A Ilha – o único e paradisíaco local descontaminado no planeta. Só que a curiosidade inata do rapaz o leva a questionar as escolhas do "estado" que os governa e a vivência dos habitantes, e ele termina por descobrir uma terrível verdade, com a ajuda de Jordan Two-Delta (Scarlett Johansson). Obviamente, o casal passa a ser perseguido sem tréguas pela sinistra instituição depois da verdade.
Bem, se vocês querem falar sobre falta de verossimilhança, como sugerido em aula, então vamos lá...Imagine uma empresa que cria um projeto científico monstruoso que faz com que a elite do planeta desembolse US$ 5 milhões por um ser clonado, uma "massa" (oops, estou revelando a história. Se você não quer saber passe para o próximo parágrafo. Mas se você, como eu acha que isso não impede a locação da obra, vá frente...) que tão somente serviria para produzir órgãos geneticamente idênticos aos do investidor, para que quando os dele falhassem, fossem substituídos.
Essa empresa se instala em um sigiloso fim de mundo . Só que neste projeto ultra-secreto, administradores, funcionários, a mulher do cafezinho, seguranças e “manés” em geral, possuem acesso a todo o complexo. HAHAHAHA! É uma multidão, que com certeza, não agüentaria nem cinco minutos de "segredagem".
Bem, há estas e outras faltas de verossimilhança no filme, mas a pergunta que faço é: e daí? E Indiana Jones? E Triple X? E Velozes e Empoeirados ou Velozes e Desconcertados (faz mesmo diferença o título?)? Nada é verossível e você ainda pode perder alguns neurônios até o final da película.
A Ilha cria uma boa oportunidade para o debate acerca de certas divergências éticas sobre a clonagem e sobre o poder, cada vez mais presente do Estado. Há sim, coragem no roteiro, quando sabemos que Hollywood é afeito a polêmicas. Sim, o debate pode até ficar meio perdido, no momento que eles começam a correr, porque o filme é, não se esqueçam, de Michael Bay, diretor de Bad Boy I e II, Armageddon, Pearl Harbor, e outras correrias.
Mas então, porque o filme fracassou nas bilheterias? O crítico Rubens Ewald Filho, diz, e concordo com ele, humildemente, "Tudo muito movimentado, eficiente, como era de se esperar de Bay. As tolices (os romances, coincidências, reviravoltas muito esperadas) são desculpáveis e não comprometem nem o lado divertido, nem o lado sério. Este parecia um momento apropriado para discutir a questão moral da clonagem numa fita grande como esta. A rejeição do público me parece mau sinal do emburrecimento geral. "

A Ilha é um bom filme de ação, e me deu motivos para refletir sobre algumas outras obras da literatura, adaptadas ou não ao cinema, que retratam, com certa, temerosidade, o "futuro"... Primeiro, lembrei de A Ilha do Dr. Moreau, do H.G. Wells*, escrito em 1895. O livro do apocalíptico autor, conta a história de Edward Prendick que, depois de náufrago, acaba em uma ilha perdida no oceano Pacífico. Na ilha, Prendick conhece o doutor Moreau, que desenvolve um trabalho científico bastante duvidoso: recriar a forma humana a partir da remodelagem física de animais, um processo de vivissecção e, a partir da dor provocada trazer à tona a humanidade que fosse possível extrair dessas criaturas. Na Ilha do cientista desfilam homens-porcos, homens-hienas, homens-cães e uma série de outras criações. As discussões sobre ética e ciência presentes no livro são assustadoramente modernas.
Recordei Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, escrito em 1931.A obra é uma “fábula” futurista sobre uma sociedade completamente organizada, sob um sistema científico de castas, onde a vontade livre foi abolida por meio de um condicionamento metódico e a servidão tornou-se aceitável mediante doses regulares de felicidade quimicamente transmitida, e onde as ideologias eram sussurradas em cursos noturnos ministrados durante o sono.
"(...) Huxley profetizou em Admirável Mundo Novo, uma civilização de excessiva ordem onde todos eram controlados desde a geração por um sistema que aliava controle genético (predestinação) a condicionamento mental, o que os tornava dominados pelo sistema em prol de uma aparente harmonia na sociedade. Não havia espaço para questionamentos ou dúvidas, nem para os conflitos, pois até os desejos e ansiedades eram controlados quimicamente pelo “Soma”, sempre no sentido de preservar a ordem dominante. A liberdade de escolha estava restrita a poucas matérias da vida. As castas superiores eram decantadas em betas, alfas e alfas + e se originavam de óvulos biologicamente superiores, fertilizados por esperma biologicamente superior, recebendo o melhor tratamento pré-natal possível. Já as castas inferiores, bem mais numerosas, recebiam um tratamento diferenciado: provinham de óvulos inferiores, fertilizados por esperma inferior (...) "*

E o que seria do BBB, sem George Orwell, escritor inglês falecido em 1950, que escreveu Nineteen Eigthy Four ("1984"), no qual apareceu pela primeira vez a figura onipresente do "Big Brother", ou seja, o Grande Irmão. Ressalto aqui a ironia escandalosa de quem colocou este nome nos programas de TV veiculados pelo mundo afora. Orwell deve estar se revirando no túmulo ( e este é, inclusive, o nome de um documentário).
No livro, que também é filme, Winston Smith rebela-se contra o sistema em que vivia. Um mundo sem privacidade, com avanços tecnológicos que controlam os indivíduos, com a destruição ou manipulação da memória histórica dos povos, com guerras para assegurar a paz, na ausência de pensamento crítico, o indivíduo sem defesas contra um Estado forte e manipulador de todas as mídias. Smith é preso e torturado de maneira peculiar pela polícia política do regime (dividiu a gaiola com os bichos que mais temia: ratos) e depois de sofrer o "recondicionamento", uma lavagem cerebral, voltou a ser um servo da ordem totalitária.



A memória me trouxe também Laranja Mecânica, livro de 1962, de Anthony Burgess, que virou filme e clássico, em 1971, nas mãos de Stanley Kubrick. No filme, que se passa no século XXI, Alex (Malcolm McDowell), faz parte de uma gangue de jovens praticantes da ultraviolência. Alex pratica a violência por puro prazer, assim como a maioria dos jovens da idade dele. Eles espancam, estupram, matam, ... Mas antes, tomam o leitinho enriquecido com princípios químicos que ajudam a melhorar a performance.
A mídia deste futuro é cretina; as notícias, manipuladas; os programas são estúpidos; os pais são ausentes e irresponsáveis ; o Estado forte e repressor... Ou seja, novamente o futuro que pode e que bate a nossa porta.
Alex acaba preso e as autoridades lhe dão duas opções: submeter-se a um tratamento que lhe fará sentir insuportável aversão diante de qualquer cena ou ato violento, ou, a cadeia. O Estado mostra então as "novas" formas de reintegrar o homem à sociedade, tornando-o bom. Para isso vale de tudo: torturas psicológicas variadas e até estresse musical.
E como esquecer O Estranho no Ninho, de 1975, que pode não falar da tecnologia, e do futuro, mas trata da força, da regulação e também de como muitos abrem mão da própria liberdade por receio em enfrentar as tortas regras sociais.
"Randle Patrick McMurphy – O paciente RMC003782 sofre de múltiplas disfunções psiquiátricas. Sua personalidade heteroagressiva invoca comportamentos letais a sua pessoa e a outras de seu convívio. Sua mente sádica e perversa proporciona aos outros pacientes uma alteração de comportamento prejudicial ao tratamento. Assinado: Enfermeira-chefe Mildred Ratched.
Na verdade, McMurphy( Jack Nicholson) , um "desajustado social", passa por louco para conseguir a transferência para um manicômio. Lá ele faz amizade com os internos e os incentiva a agir de forma independente, ganhando a inimizade da enfermeira-chefe e dos médicos, que tentam curá-lo ou mantê-lo sob controle.**

Acabei recordando também de Código 46, filme de 2005. Num futuro não muito distante, as cidades são rigidamente controladas e o acesso só é possível por meio de pontos de checagem. "As pessoas não são autorizadas a viajar a não ser que possuam o salvo-conduto, um seguro especial de viagem. Fora dessas cidades o deserto tomou conta, com os cidadãos sem seguro sendo segregados em bairros pobres. William (Tim Robbins) é um investigador de seguros, casado, pai e possuidor de certos poderes paranormais. Quando sua empresa o envia para uma outra cidade para resolver um caso de salvo-condutos forjados, ele encontra Maria (Samantha Morton).

Apesar de descobrir que Maria é a culpada pelas fraudes, ele se apaixona por ela. William volta para casa sem denunciá-la, mas não a esquece. Porém, quando o salvo-conduto forjado provoca uma morte, ele é obrigado a retornar à cidade para reencontrá-la." "Mergulhado em um clima de constante melancolia, Código 46 divide com O Dogma do Amor um inconfundível tom noir que combina perfeitamente com o temperamento de seus protagonistas - e boa parte da trama, é claro, transcorre à noite, já que, para evitar as doenças provocadas pelo sol, as pessoas passam a dormir durante o dia e trabalhar no período noturno (com exceção daquelas que moram fora das grandes cidades – o que, inclusive, é utilizado pelo filme como um curioso contraponto entre a frieza da civilização moderna e a irracionalidade dos excluídos). (...) De todo modo, há um som universal, que dispensa traduções, para ilustrar a competência deste filme: o de aplausos." *** O filme, belo e melancólico, possui um dos finais mais tristes que vi nos últimos anos.Ao som de Coldplay - Warning Sign ...

E para terminar - poderia citar outros - isso aqui já virou um tratado - V de Vingança , a histórica história em quadrinhos que foi adaptada para p cinema em 2006, escrita por Alan Moore e desenhada por David loyd, em 1982.
O enredo é situado numa época alternativa, em uma realidade que a população apoiou a ascendência de um partido fascista após uma guerra nuclear. A semelhança com o regime nazista é inevitável, já que o Estado
possui controle sobre a mídia, além da existência de uma polícia secreta e campos de concentração para minorias raciais e sexuais. Câmeras monitoravam o comportamento de toda a sociedade, que abriu mão da liberdade em troca da segurança e agora vive com medo.
"V de Vingança conta a história de Evey , uma jovem doce e tranqüila que é salva das mãos da polícia do Estado por um mascarado, conhecido apenas por "V". Carismático e rebelde, V dá início a uma revolução quando detona dois marcos da cidade de Londres e toma o controle das ondas de rádio e TV, urgindo os concidadãos a rebelarem-se contra a tirania e a opressão. " ****

Depois de tudo isso, relembro que em tempos de “Sorria: você está sendo filmado”, de clonagem, uma mídia aliada ao capital e de implantes que dizem quem você é e que podem localizá-lo em qualquer lugar, tudo do que foi escrito por estes visionários e depois produzido pela sétima arte, faz grandes reflexões sobre o que vivemos. Isso que nem mencionei aqui, porque vocês já cansaram de ouvir em sala, sobre Michel Foucault e o Panóptico de Betham!*****A História faz História.

Para, no entanto, não deixar ninguém deprimido, indico o A Ilha, o livro de Aldous Huxley. Escrito no fim da década de 1960, ele conta a história de um jornalista, Will Faranaby, e do encontro dele com uma sociedade baseada na completa liberdade. O paraíso chama-se Pala, e para Huxley, a ilha estava situada na Indonésia.


Não. É CLARO que não sou contra a tecnologia (utilizo todos os dias, em todos os campos...). SÓ acho que deve haver mais REFLEXÃO!

*www.uem.br/~urutagua/ru10_sociedade.htm - 53k
****www.cinema2000.pt/ficha.php3?id=5408
***** "(...) O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição. O princípio é conhecido: na periferia, uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar.
Pelo efeito da contraluz pode-se perceber da torre, recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível. O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. Em suma, o princípio da masmorra é invertido; ou antes, de suas três funções – trancar, privar de luz e esconder – só se conserva a primeira e suprimem-se as outras duas. A plena luz e o olhar de um vigia captam melhor do que a sombra, que finalmente protegia. A visibilidade é uma armadilha. (FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. 5 ed. Petrópolis: Vozes, 1987.)
Os dispositivos eletrônicos de telecomunicação distribuídos na sociedade do século XXI, tais como telefones celulares e pagers bidirecionais, são extremidades de grandes sistemas interconectados que estão capturando, processando e transmitindo voz, dados pessoais, comerciais, bancários, corporais e de outras espécies num grau que, ao mesmo tempo em que é extremamente alto, já se tornou cotidiano, habitual e pouco-a-pouco vai se tornando natural, tendendo a ser imperceptível pela onipresença. A combinação do barateamento e disseminação desses dispositivos com a disseminação das redes de telecomunicações está inevitavelmente reunindo de modo perverso uma gigantesca variedade de recursos de monitoramento dos cidadãos, e que passam a estar disponíveis para governos, empresas, instituições ou para o crime organizado. Pelas mais variadas razões, o controle desses recursos torna-se estratégico para a sobrevivência de grupos, organizações, processos ou Estados. O atentado de 11 de setembro contra as duas torres do World Trade Center consolidou definitivamente essa necessidade: de agora em diante, a privacidade é apenas um conceito bipolar: lícito para o Estado, suspeito para o cidadão." www.cidade.usp.br/eticanapratica/textos.php
P.S.
HG Wells escreveu também: A Guerra dos Mundos (que gerou pânico real entre os americanos ao ser transmitida por rádio, por ninguém menos que, Orson Wells); A Máquina de Tempo (sobre um homem que viajava ao futuro) e o O Homem Invisível (1897).


- Aldous Huxley escreveu, mais tarde, outro livro, chamado Retorno ao Admirável Mundo Novo, sobre o assunto: um ensaio onde demonstrava que muitas das "profecias" do seu romance estavam a ser realizadas graças ao "progresso" científico.


- George Orwell, era o pseudônimo de Eric Arthur Blair, um libertário, que faleceu em 1950, mas deixou dois clássicos da guerra contra o autoritarismo:Revolução dos Bichos e 1984.
Na Revolução dos Bichos, o velho porco, Major, convoca os animais de Manor Farm para uma reunião na qual expõe o sonho que teve: os animais sempre viveram subjugados pelo homem, embora este tenha capacidades inferiores às de qualquer deles. O homem é a única criatura que consome sem produzir - diz ele, o que não é justo. E principiam uma revolução que no princípio tenta mostrar que todos são iguais, mas que por fim, conclui que "todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros."