Outro dia eu estava vendo um desfile de moda. Fazia bastante tempo que eu não prestava atenção na passarela. No entanto, quando eu resolvi prestar, foi somente para ficar desconcertada. O que faz essas meninas desejarem tanto parecerem seviciadas, famintas, decrépitas, doentes, abusadas, ultrajadas, oprimidas, molestadas,infelizes ...? E quem, em sã consciência, daria um emprego a pessoas doentes assim, premiando a loucura e punindo o saudável?


Seria fácil culpar o mundo da moda. Seria fácil culpar a sociedade. Como se a Sociedade fosse um monstro, um ciclope, um minotauro, que nos persegue nos labirintos na nossa insandecida vivência, e que age sem a nossa participação. Como se fosse um flagelo, uma ação da natureza, que não temos como controlar. A sociedade é apenas um nome, um substantivo, e feminino, onde escondemos as nossas pequenas, médias e grandes falhas no meio das desgraças promovidas pela degeneração da raça humana, para que assim, não nos sintamos tão covardes, tão frouxos. Sim, somos culpados. Não podemos ter a indulgência para conosco que não temos para com os demais viventes.


Permitimos dois opostos tão mesquinhos, sem propósito, desprezíveis, conviverem no mesmo mundo, na mesma era, tão semelhantes, tão ambíguos, tão distantes e tão desprovidos de significado quando colocados lado a lado.
A fome de paz, de misericórdia, de tolerância, de humanidade, de pão.
O excesso de ignorância, de cobrança , de modelos inimitáveis, de falácia, de brutalidade.

A abjeta ausência de respeito.
A redundância do funesto.
A anorexia e a desnutrição de quem não tem opção.




Ver um desfile de moda é ultrajante neste sentido. Assistir o jornal noturno na TV é uma afronta. Duas realidades tão próximas e tão distantes. De um lado a desnutrição de quem escolhe se ver raquítico porque a Sociedade clama pelo corpo doente, que é lido, por este mundo disléxico, como belo (?). Logo o belo que pode ser expressado de tantas maneiras, de formas tão diversas e tão mais saudáveis e interessantes...O belo, que é ocidental, oriental, de cores tão variadas, de tamanhos imensuráveis, de possiblidadades infinitas, foi transformado num libelo pela padronização e pelo adoecimento auto-infligido.

Do outro lado, a existência de quem não escolhe ser raquítico, mas se vê desprovido da humanidade porque...Por quê? Por que? Por qualquer razão...Pela cor, pelo nome, pela religião, pela forma de viver a sexualidade, ...

Mas o que fazemos com tudo isso? Enquanto formos reféns dos desejos mórbidos vendidos por essa sociedade de massa horrenda, essa máquina de moer gente, de massacrar a diversidade, veremos toda essa desumanidade com a naturalidade dos cínicos e seremos hipócritas e tolerantes até que ela nos alcance...Seja no momento que alguém próximo começar a viver a agonia da anorexia, seja porque a providência divina resolveu nos testar com a fome na doença ou na guerra.

Sejamos mais sensíveis, mais humanos, mais inteligentes, mais cuidadosos, mais coerentes... O que nós estamos fazendo da sociedade? O que estamos fazendo conosco? E com os demais?

A liberdade de ser está na reflexão e na ação.